sexta-feira, 28 de outubro de 2016

'Poderei (r)existir, e ir, e vir, e rir...'

Tenho me pegado pensando no quanto a e o amor, mais que possíveis sentimentos (ou coisas, ou seres, ou invenções) semelhantes, são indissociáveis. Andam juntos, de mãos dadas e, quase sempre em suores e lágrimas, se misturam.

Rubem Alves diz que "fé é aquilo que uma pessoa que voa de asa delta tem de ter no momento de se lançar no espaço vazio [...] é uma atitude perante a vida, intraduzível em palavras. Sobre essa confiança nos lançamos sobre as incertezas. A fé só existe diante do abismo das incertezas. Quem tem certezas não precisa ter fé [...] Fico perplexo ao ver pessoas que têm certezas. Quem tem certezas é um idiota". Ele também diz que o amor nos assegura uma incerteza na vida: a da eternidade. O amor é livre por essência e quem o é, pode ir a qualquer momento. E o amor... bom, o amor deixa.
Ter fé e ter amor é afinar os nossos sentidos e aguçar cada sensação que cada um deles nos proporciona, mas quase nunca usá-los ao mesmo tempo. E, às vezes, nem usá-los. Por mais importantes e únicos que sejam, a gente simplesmente abre mão deles, não entende o porquê, e salta. De algum jeito, sem sentidos, faz todo sentido do mundo. 

Eis um fato sobre mim: sempre fui das letras, mas sou apegada a alguns números. Quase sempre por causa de datas e por um ritualzinho que faço com minhas agendas há alguns anos. Conto as minhas histórias com letras e números, lembro do tempo, depois esqueço e digo que é relativo. Alivia e esclarece minhas intensidades. Não sei ser de outro jeito. Sinto. Vivo. Escrevo. Conto. Esqueço. Sou mais das letras do que dos números, mas no final das contas, quase desisto, então (des)conto os danos e ainda sobra muita coisa pra sentir.

Há um ano eu estava de malas prontas. Toda errada: afogando as plantas e levando só camisetas pra uma cidade fria. Há um ano eu cruzava a imensidão levada pelo vento, carregando 20kg de aleatoriedades, alguns livros e planos, e uma cajuína de 2 litros. Há um ano entrei pela "última vez" em casa chorando saudades e medos. "E se eu não aguentasse?" "E se eu não conseguisse?" "E se tudo desse errado?" Não duvidei por um só segundo do amor - do que ficava e do que me esperava - e, agora, olhando daqui, um ano depois, percebo que eu não me conhecia tão bem, afinal, hoje sei que eu é que sou toda amor. Saber disso, naquele dia, talvez não diminuísse meu medo, mas com certeza aumentaria minha coragem. 

Fui. Rimei os planos, inventei uns sonhos e fui. Aprendi a cozinhar, a estudar durante o dia e a fazer economia. Aprendi a vibrar com pequenas coisas como fazer meu primeiro feijão, conseguir sair de casa sozinha, conquistar o amor de uma Baleia e entender como uma cerveja no final de um longo dia de trabalho pode ser uma boa ideia. Fui vivendo. Cada vez mais adaptada ao novo, cada dia mais saudosa. Acordando e vendo as coisas saindo do meu controle, dormindo depois de respirar fundo e pensar em outras possibilidades. Fui vivendo e já não sentia tanto frio, nem tanto medo. As provas, os encontros, o primeiro dia de trabalho. O sol batendo no vidro da janela, dez andares abaixo, chuva. O tempo pra conquistar novos abraços, os inúmeros "de onde é esse sotaque?" e os afetos. Os nãos, as más notícias, as perdas. O apartamento que já se tornara lar. O desafio de uma vida a dois (ou três, ou quatro, ou sete). O turno findando com acordes e letras sobre como tudo aquilo ia passar. As manhãs refletidas em vitrais coloridos de lágrimas. Uma queda no mar: os amigos. As companhias no café com pão antes da livraria abrir, a extensão do dia em jantares improvisados antes da noite acabar. Os primeiros natal, ano novo e aniversário longe de casa. A saudade, as raízes e as asas. Os dias longos, a mudança, o sol me esperando chegar em casa pra poder ir dormir. Sete quarteirões pra ir e vir, um disco inteiro no ônibus, a rotina. Num liquidificador no três e nos parques da cidade: fui me jogando, fui vivendo.

Se passaram quase seis meses e eu não podia contar nos dedos o quanto já havia aprendido. Aprender foi o verbo que virou lei e lição nos meus dias. Quase meio ano e os amadurecimentos, os afetos, os carrinhos com materiais escolares, os livros, as surpresas, as saudades, os abraços, as ligações pra casa, os prazeres, os domingos de folga, os almoços em (nova) família, os latidos, os cafés, as caminhadas... tudo, absolutamente tudo era intenso demais - mesmo quando aprendi a ser mais calma (não menos estressada) e viver tudo mais devagarinho - e não caberia contar em agendas. Os filmes, sim. Anotei todos. Foram quase trinta (recorde!!!) em pouco menos de três meses, quando a calma que eu aprendi precisou transformar-se em pausa, paciência e resiliência. A vida jogou os dados e eu precisei voltar algumas casas. Cruzei a imensidão mais uma vez e quase tudo estava diferente. Os abraços eram os mesmos e o cheiro de casa era bem como eu lembrava. Mas de alguma forma eu não cabia mais naquela cama de solteiro, o guarda-roupa tava cheio de bastante coisa vazia de mim e na primeira noite de volta planejei, pra hoje, um ano depois, mais uma volta.

E a vida foi seguindo como sempre faz independente de nós. Cheia de desafios e surpresas. Aprendi muita coisa naqueles quase seis meses, mas nada realmente prático estava me servindo nesses novos dias. Tive que aprender a segurar as pontas, engolir o choro e conter quatro crises de nervos num período de dois meses. Tive que reaprender a andar, a dormir e acordar, a rezar. Aprendi a cuidar de quem sempre me cuidou, a caminhar sozinha, a reviver minhas amizades. (Re)aprendi o quanto as amizades são importantes. E a vida foi seguindo... Até que o amor me fez viver na clausura de sua ausência - coisa que distância física nenhuma suporta a ingenuidade da comparação. Bem pior. Me restou a fé no seu mais puro estado: cega, pé-ante-pé na bamba ponte de corda e corrimão de flores que é a vida, esta que tão logo me condenou duramente com a mais doída das ausências: a morte. E foi quando eu senti que, de fato, nada mais seria como antes.

O verbo continuou. A vida e eu também. O que mais poderia ser feito, afinal?
Fiquei mais íntima da noite, mais atraída pela boemia e mais amiga dos meus. Hoje entendo mais sobre a saudade, mas ainda me acho ousada sempre que falo nela. Fiquei mais ansiosa e sonolenta. Aprendi a me alimentar melhor, mas não larguei o café. Vira e mexe ainda encontro alguns pedaços de mim pela casa; invariavelmente são coloridos, mas quanto mais os dias passam, mais fica distante a lembrança de como eles foram pintados. Tenho isso tudo anotado em papel de pão, mas finjo que esqueço e sigo. Passei a escrever poesias na vertical. Não consigo mais mergulhar nas pessoas como antes, mas acho que não deixei de ser profunda. O fato é que ainda não aprendi a nadar. Acordo todos os dias querendo tirar proveito de tudo e, de cada pessoa que chega e fica (por uma hora, um dia ou lá se vai um mês), só quero e ofereço o melhor que puder. Nunca mais serei inteira ou a mesma, mas dia desses tive a petulância de dizer que estou no meu melhor momento. Egoísmo puro, admito, mas é que eu nunca precisei tanto de mim como agora. 

Hoje, um ano depois daquela ida, sete meses e meio depois da volta, o dia em que, um dia, eu pensara em voltar, sinto a saudade mais menina que já senti até então. Cambaleia os primeiros passos, balbucia umas palavras inexistentes, não se controla... mas sorri quando o vento derruba folha e trás cheiro de jasmim. Sorri como se tivesse predestinada a fazer isso com maestria e como quando um dia eu disse tanto sobre mim sem entender direito, mas hoje faz muito sentido.

Um dia eu volto. Quase completamente diferente. Exceto por uma coisa: o amor. Essa fé toda bordada à mão, ao mesmo tempo latente e amena, segue sendo a minha deixa, o meu melhor jeito de me continuar.

domingo, 23 de outubro de 2016

Todo amor do mundo.

desenho e fotografia: Wagner Medeiros // @medeiros.pintor @medeiros.fotografo @medeiros.pessoal

Todo amor do mundo pode ser resumido para ser guardado. Um erro, é claro, já que todo amor do mundo deve ser desenhado aos sete ventos e exibido em tela cheia de algodão lá no céu. Mas, ainda assim, penso em como todo amor do mundo pode ser resumido. Um pedido de namoro, por exemplo, que durou uma eternidade, dois sóis e uma lua para acontecer, a gente conta em um minuto, olhando pro alto como se agradecesse e pedisse aos céus que nos mostrasse, nos deixasse viver aquele momento, mais uma vez.

Todo amor do mundo se resume num verso, numa palavra mal_dita, numa melodia. Todo amor do mundo se encontra na ponta dos dedos, na próxima esquina. Todo amor do mundo está onde a gente não quer mais passar quando (se) desacredita e onde a gente quer morar quando revive a esperança. Todo amor do mundo há, e toda poesia está na existência de todo amor do mundo. E, quanto a mim, já me fiz de verso, fantoche e palhaço. Pintei o céu por dentro e chorei no escuro. Eu, acreditem, deixei de ser para descobrir que nunca fui nos dias em que duvidei da existência de todo amor do mundo. Eu deixei de ser.

Redescobrir o amor é, das artimanhas de viver, a mais bonita. É preciso despir-se de vaidade e desarmar-se de orgulho. E o medo, deixar ir... É preciso tornar e não deixar de ser criança, já que a descoberta do amor é constante, colorida e voadora, e quem mais encararia essa poética doída como uma brincadeira que a gente não sabe perder, masconsegue tirar proveito do que se alcança? Depois da brincadeira, o banho chato, mas o cansaço quase sempre nos faz dormir melhor.

É preciso virar do avesso, enxergar por dentro do outro e resignificar nossas cores. Tomar café frio e doce, diminuir o volume e passar noites em claro e sem lençol. É preciso gritar em letras maiúsculas e desesperar-se devagarinho. Descobrir que amanha tem mais, não seguir a receita do bolo e tomar água o dia inteiro. Esperar estrelas caírem, dançar como se ninguém tivesse olhando e fingir lucidez - essa última, bem pouco, não sejam loucos. É preciso sonhar acordado, aprender em silencio e segurar as mãos de alguém.

E então a gente segue e pode soletrar ao vento que já conheceu todo amor do mundo porque conheceu, também, no outro, uma possível continuação de si. Depois percebe que esse todo amor do mundo às vezes muda, às vezes é outro e (quase) sempre é além do que a nossa suposição alcança. Mas continuamos porque é isso que precisamos fazer. E o que seria de nós sem todo amor do mundo para (nos) resumir e (re)acreditar e deixar ser poeta como nunca mais? Poeta sem atrasos ou desculpas, só amor, cabelos bagunçados, carinho de dedo, leituras leves, música baixinha e longos sonos à tarde. Devagar...

Escrever amor em letras garrafais e certeiras, endereçar aos céus num envelope laranja guiado por um balão verde-grama-da-casa-dele.

Eu guardei todo amor do mundo dentro de uma caixa cor-de-céu.
Todo amor do mundo me guardou e me amanhece todos os dias.

domingo, 16 de outubro de 2016

VerSozinho #1


amor é como café.
é bom que esteja no ponto, claro, no desejo certo do paladar.
se não estiver, uma ou duas colheres de açúcar, uma mexida de leve e pronto.
mas às vezes não...
e a gente toma todinho por educação ou puro vício.
o que importa muito é que o café, e o amor, estejam quentes.
é o que dá vontade de tomar, que deixa mais gostoso, que desperta.
o que sei sobre amores e cafés é que a xícara pode ser bonita e o vestido em primavera,
se ficam muito tempo parados...
... esfriam.

sábado, 8 de outubro de 2016

O dia em que Leo Fressato juntou uns cacos de mim...

Há exato um mês vivi um show que me fez ser enxurrada, oceano, tempestade em copo d'água. Chorei como sempre sei que choro, mas ainda duvido que seja capaz de tanto. Chorei como se não houvesse amanhã e como, de fato, não há. Não pra um amor que ficou no ontem, pra onde não se volta, não se olha, não se pode ser. Chorei por ter uma boa memória ruim e por, ainda assim, acreditar no amor.


Conheci Leo há uns três anos, mais ou menos, mas o reencontrei, com mais força, depois, em tardes de cafés no intervalo do trabalho, ouvindo-o junto a Ana Larousse, fazendo um par tão bonito que resolveu - e precisava - ficar (em mim). As parcerias dos dois me acompanhavam agora - além dos cafés - os sonos, as filosofias de janelas de ônibus, os pores-de-sol. E o amor. Sempre e com mais força, o amor.

Ano passado, dividindo com Fressato a mesma cidade pra se morar - bem lá onde o povo chora o dia inteiro - fui a um show dele. Atrasada, perdida, meio enrolada. Não o vi, não o ouvi. Emburrei, quis chorar, mas naquela mesma noite acabei contando pela milésima vez uma das minhas histórias de amor preferida, então passou. Passou... Incrível como o tempo não só passa (e como é ridículo ficar repetindo isso), mas como finda, de algum jeito, escolhendo o que leva e o que deixa. Quase dez meses depois daquela noite de desencontro, tendo voltado pro meu sertão, pude encontrá-lo. Não sem antes ter me quebrado, em mil pedaços, riscando o mapa, desatando os laços e já não mais dividindo a lona e o picadeiro. Abracei Leo sem Ana, eu quase sem viço, com tanto de mim sem saber direito.

Tremi como naquela noite já natalina de 2015. Esperei, quis botar o coração numa caixinha. Cheguei atrasada. A primeira sessão do show, a qual eu tinha pego ingresso, já tinha começado. Sentei na porta do teatro e fiquei ouvindo. Já comecei a chorar, ali, o primeiro parágrafo. Senti saudade, a mesma vontade de voltar quando dei as costas no aeroporto. Senti saudade, aquela falta que a benção materna faz. Cantei baixinho como cantam os passarinhos que já aprenderam muito sobre os riscos, por entre as maravilhas, de voar. Recebi colo até ficar de pé pra segunda sessão. Consegui entrar. Não sei com que pernas, não sei como eu cabia em mim de tão derramada. E lá dentro, tudo era azul.

(essas duas fotos são de Paulo Rossi que também postou em seu blog sobre esse show lindo. Clica aqui pra tu ver.

Leo é um artista incrível. Múltiplo, gigante, contínuo. Melhor do que eu pude, um dia, imaginar. Curitibano com coração Caririense, me arrisco a ousadia da definição. Desbravou o teatro no meio da galera e já chegou parafraseando filosofias de outrora: "Ninguém vê dois shows iguais de Leo Fressato". Brincou com vozes e corpos. Apresentou músicas do novo disco que está por vir e declarou seu encanto pelos casais e pelos chorões que vão aos seus shows. Ensinou pros desentendidos alguns dialetos do universo gay e estendeu um tapete arco-íris pra todo mundo passar. O mundo inteiro coube naquele teatro. Nas cadeiras, em pé nos corredores, no chão. O mundo inteiro cantou em uníssono as canções para o inverno passar depressa e encantou-se, inteiro, com as novas canções, as histórias de amor que lhe foram vida e inspiração, a sensualidade, a paixão, a chuva no ser-tão daquele palco. O palco que uniu dois extremos do país, juntando vozes e sons do sul e do nordeste em "Não há nada mais lindo". O palco que foi testemunha de um espetáculo de entrega, de resistência, de ousadia, de poesia, de verdade e, desculpem-me ser tão repetitiva, mas, também, inevitavelmente, de amor. O show terminou com "Oração" que, tem quem chame de hit mas, pra mim, é uma espécie de mantra. Pra aliviar o peso dos dias, das horas. Leo desceu do palco e pulou com a galera, juntou todos numa só voz, num abraço coletivo. Duvido alguém ter saído daquele teatro com a mesma energia que entrou. 




Eu que sou toda coração e é só assim que sei ser, até ali estava aos cacos. Então naquela noite, cada canção serviu de bandagem e muito do que doía, sarou. Eu estava certa do que sentia e tive mais certeza em palavras. "Leo, tu juntou um monte de caco aqui dentro". Ele sorriu. Dividimos um abraço. Tempo depois, tão nosso, na mesma mesa de bar, compartilhei um pouco da minha saga de cruzar o mapa por (um) amor. "Tu é doida!?". Sou. Assim como era amor independente do lugar. Ainda que a flexão do verbo questione.

Leo me abraçou, fez rir com estetísticas sexuais sul-nordeste, prometeu voltar, juntou meus cacos. Mas aí no dia seguinte eu pensava naquele azul e doía; Lembrava cada detalhe daquele show e me esvaía em lágrimas; De algum jeito bem estranho, eu me sentia vazia. Vai ver deixar ir é, primeiro, esvaziar-se. Vai ver o amor toma conta de mais partes de nós do que podemos supor e quando ele precisa sair, quase nos leva. Vai ver não dá pra arrumar o amor no corpo como se arruma um quarto - bagunçando primeiro pra ter dimensão do trabalho - e é preciso limpar de uma vez, mesmo que a gente ache que tem se preparado aos poucos. Ou vai ver a verdade é que, mesmo sem saber direito, Mainha tinha razão num dos seus clichês mais repetidos, usado tantas vezes de forma vã, mas, talvez, lá no fundo, pra nos proteger: amor não enche bucho de ninguém

Eu esvaziei.
Pra recomeçar.

sábado, 24 de setembro de 2016

A cor do (meu) amor.


Eu sempre quis morar nesse lugar de paredes brancas pra que nelas eu pudesse colocar quadros coloridos e por todo o espaço ter poucos móveis de cores fortes, alguns móbiles e plantas suspensas. Muitas almofadas. Tapetes fofinhos, abraços. Queria casa grande, com jardim ou quintal, e findei nesse quarto-e-sala. De estar sozinha, nunca quis. Mas pelo tempo de ser, foi preciso. E eu de ida com o tempo não tinha certeza de outra coisa além dessas paredes brancas. As coisas todas mudavam de vez em sempre. Então ela chegou. Da fila do café pra minha vida. Chegou e bagunçou aquela única certeza porque foi só vê-la, de sorriso, braços e janelas abertas, pra eu perceber que as cores significavam mais do que eu imaginava.

E bagunçou tudo o que viu pela frente. Meus vinis, meus livros e tropeçou no meu vasinho de orquídea. Abriu as cortinas, arregaçou as mangas e quebrou umas duas xícaras de chá que fazia, esquecia, esfriava e não queria mais. Pegou pra ela a primeira gaveta vazia que encontrou, encostou uma escova na minha e pendurou a calcinha no registro do chuveiro. Ventou. Furacão. Temporal. E acordava todo dia como se fosse brisa. Serena, meu café bem doce, meu travesseiro de colocar entre as pernas. Bagunçou minha cama, meus cabelos, minhas tintas. Virou rotina. A mais bonita. Doída pelo rótulo, é fato. Mas, ainda assim, a mais bonita.





Viciou minha retina nos dias de folga. Nos outros, dividiu as contas, a faxina e o cansaço. E foi embora. E voltou. Dividiu os sonhos, a receita de pavê e o criado-mudo. E foi embora. E voltou. Definiu, ali, em mim, a maior e mais deliciosa bagunça. Quando ficava, a gente deitava depois do trabalho, em silêncio, por alguns minutos. Eu sempre queria conversar e falaria até acordar a madrugada. Ela tinha pouca paciência. E foi aí que me fez acreditar entender um pouco mais sobre o amor quando, pra quebrar o silêncio, eu colocava um disco aleatório dos nossos preferidos pra tocar, e lá pela terceira faixa já estávamos cantando juntas. Os discos foram acabando e o amor permitiu repeti-los. O amor encanta a mesmice. Mas quando ia, o silêncio era outro e fazia muito barulho. A paz era a mais quieta de todas e algo assim não me apetece. Nem a ela. Eu dormia bem, muito, mas acordar sem bons dias em plenos olhos, quem quer depois de experimentá-los? Eu escolhia a disposição dos móveis, mas invariavelmente batia o dedinho do pé neles. O que eu acreditei saber sobre o amor, e soube, teve a mesma força que foi quebrando minhas mil e uma teorias sobre o que sabia das cores. E das dores. Tava tudo certo de cabeça pra baixo.

Era possível, e tão fácil, doer em flor sem nem pensar nos espinhos. Era tão difícil escolher a melhor cor pra moldura ainda que a parede fosse branca. E o branco era menos paz do que parecia. Era cômodo. Seria possível desejá-la ao mundo e ao mesmo tempo querer tê-la só pra mim? Eu queria explicar pra toda pessoa que cruzasse o meu caminho cada detalhe desse sentimento, cada razão. Mas ninguém entenderia. Quem quereria entender, pra começar? Quem poderia ceder, pra acabar? - Deixa eles! Pra que essa mania de explicar tudo?, ela diz sempre que está aqui. Mas ainda não chegou. E eles continuam questionando e, pior, duvidando, do amor.


No último final de semana ela apareceu. Molhada de uma chuva inesperada. Cansada, correndo, chorosa. Tomou um banho enquanto eu fiz um chá. Sugeri camomila, ela insistiu em morango, seu preferido estranho gosto. Sua cor depois da água quente. Seus olhos fundos de saudade. Escolheu o silêncio e a música. A primeira faixa passou lenta como um feriado no domingo. A segunda estava em outra língua, pausei. Perdi as contas. Ela já ria quando começou a cantar. "Deixo meu cinza de lado, admito teu vermelho...". Repeat. O disco inteiro, os dias todos desde que ela chegou. Passou a escolher esse disco sem que eu pedisse e sempre parava o que estivesse fazendo pra mudar a entonação nessa frase. Enquanto eu insistia em pintar o amor de céu, quando o próprio céu se borrava de outras cores todos os dias, ela me dizia, sem pressa e com cuidado, que não precisa deixar de ser clichê pra ser verdade. Como eu posso não querer que todo mundo sinta isso? Como posso aceitar que meio mundo não queira entender? Me questiono, sobressalto, fico eufórica. Ela sempre me fala pra respirar e contar até dez. Tão clichê... Terrivelmente piegas que sou, me rendi.

As cores são, nela, o meu estado de ser.
Finca tua bandeira e tuas lutas aqui. Vermelho, aquarela, cacho-de-uva, por-de-sol.
- Fica!?, pedi. - Que a melhor parte do dia continua sendo amanhe-ser teu colo...

~ repeat


 fotos: Cadu Vieira

segunda-feira, 12 de setembro de 2016

O Teatro Mágico, a essência e tudo o que faço pra ser.

Se eu pudesse escolher algo tangível pra representar uma forma de pensar uma política democrática, justa, igualitária... eu escolheria o sarau. Mais que um espaço, um acontecimento que mistura vários tipos de leituras e interpretações: música, dança, corpo, poesia, teatro, circo, cores... Um espaço pra quem tem voz e vontade de usá-la. Um acontecimento pra quem está vivo e transbordando. "O tudo numa coisa só", diria um certo palhaço-poeta que, junto aos seus, subia em palcos de saraus e tirou daí, e de mais um punhado de ser que carregava em si, o ensejo pr'O Teatro Mágico.


Com mais de 10 anos de palcos, ares e poesia compartilhada, O Teatro Mágico carrega em suas composições, um jeito peculiar de falar de/com sentimento. A poesia do amor está enraizada no trabalho da trupe como um pé-de-manga-espada se ata ao chão. Fernando Anitelli brinca com as palavras como quem já nasceu enlaçado com elas, como parceiros que o tempo não limita. As canções brincam com os nomes das coisas, das notas musicais, com as cores do mundo, com as formas do amor. E esse amor que emana das músicas da trupe é, além de romântico, fraternal. O amor que se faz de mãos estendidas, de silêncio, de ouvidos atentos, de coração aberto, de empatia.

Desde as suas primeiras apresentações, talvez até sem saber, como um todo, mas tendo essa certeza em seu vocalista, O Teatro Mágico é um grupo militante. O sarau, aberto e hibrido, sendo seu picadeiro. O movimento MPB (música pra baixar) engradecendo a ideia de que a arte deve chegar a todos em todos os espaços de forma livre. As lutas das minorias ora nas canções, ora em poesias recitadas entre uma e outra. Gritos de guerra! A trupe, com inspirações que vagam e repousam entre Hermann Hesse e Quintana, é militante por essência.


ESSÊNCIA talvez seja uma das palavras mais marcantes na trajetória d'O Teatro Mágico. "Ser essência muito mais". O jeito tão único de misturar tantas expressões artísticas num só palco e as composições peculiares são, talvez, os grandes motivos que levam os raros (como se tratam os fãs da trupe) a justificarem essa essência. Por muito tempo, não mais do que o amor (romântico), eu diria! O mar apaixonado por uma menina. A vista de cima da pedra mais alta. A moça de quermesse. É inegável que o amor cantado e tocado por palhaços e dançado por bailarinas é marcante e não deixa nunca de ser certo nas noites de sono difícil ou nos encontros ao por-do-sol. Mas eis que com a chegava de "A Sociedade do Espetáculo" (2011), terceiro álbum de estúdio, essa essência começa a ser um tanto questionada. Mas será que a essência muda? Acaba? Qual será, de fato, a essência da trupe? Eu tenho meus palpites...


É a partir desse terceiro disco que a militância da trupe começa a ficar mais clara. O clipe da canção "Amanhã... Será?" trás, em tempos de gritos de "Palestina Livre", imagens de guerra e, em sua letra, o desejo de buscarmos, hoje, florir o que nossas mãos e vozes podem alcançar, por um amanhã que conte a nossa história de luta. "Transição", "Além, porém aqui" e "Canção da terra" também trazem questões de cunho social. O disco conta com algumas releituras de canções antigas e segue, claro, falando de amor, com, entre outras, a música "Nosso pequeno castelo" e seu clipe lindo. Talvez até aí, a grande mudança que assustou um tanto os raros foram as fotos de divulgação do disco, com menos cores e mais mistério, muito diferente do que a gente já estava acostumado a ver.


Depois, em 2014, as discussões sobre a essência do grupo voltam com o disco "Grão do Corpo", com quase todas as músicas abordando temas cada vez mais fortes, doídos e recorrentes de questões sociais: a terra, o corpo, a mulher, a polícia, a raça, a homofobia, os protestos que tomaram conta do país. A música "O sol e a peneira" fala da luta iminente e necessária, pelo que se arranca do nosso povo, dia após dia, de direito, de esperança e de vida. Esse disco é um grito de libertação, um corpo que precisa nascer e existir como se é. O amor continua ali, é claro que continua. Eu não consigo falar n'O Teatro Mágico sem pensar em amor, em afeto. É preciso entender: o amor é muitos.

A trupe sempre trouxe composições que questionavam a sociedade e seu comportamento cada vez mais egoísta, mecânico e apático. "O mérito e o monstro" e "Xaneu nº 5" são bons exemplos disso. Atribuo as atuais (ou nem tão atuais assim) críticas a certos comentários que eu lia há um tempo (tá vendo? tá passando. eu sou avuadinha...) sobre a trupe estar fazendo cada vez menos shows em praças públicas, ao passo que aumenta o número em casas de shows fechadas que cobram ingressos. É claro que é ruim não poder ir sempre ao show da nossa banda preferida. É pior ainda nunca tê-la visto nem perto da sua cidade. Eu que acompanho O Teatro Mágico há quase 10 anos, fui a um show em outro estado, mobilizando a universidade inteira pra me ajudar a ganhar os ingressos em uma promoção. E mesmo com toda dificuldade, não seria egoísmo da minha parte querer que eles continuassem na mesma, do mesmo jeito, nos mesmos lugares? Seria, sim. Eu quero é que o grupo do meu coração brinque numa cama elástica que nem eu quando vou lá na praça do giradouro e choro pro cara deixar eu pular uns minutinhos, mesmo eu já sendo bem grandinha. Eu quero é que O Teatro Mágico voe e, eu sei que mais um monte de gente pensa como eu e reconhece neles a essência da empatia, da mistura, da mudança. Eu quero que O Teatro Mágico voe e eu que espero sempre desejar acompanhá-los, vou indo cada vez mais alto.

Na última segunda-feira (05), a trupe lançou o clipe (o segundo desse último disco) da música "Tudo o que faço pra ser". O clipe mostra um close (certíssimo, eu diria!) de Fernando tirando a maquiagem usada nas apresentações. Meu palpite é que esse pode ser um anuncio de mais uma nova fase, mais uma mudança. O que sei é que foi aí que me vi instigada a escrever. Fui tentando organizar ideias ao longo desses dias. É difícil. Tudo ao redor é grande demais. Brilha demais. Muda demais. É latente demais. E, principalmente, como ouvi tanto esses dias: cada pessoa é um mundo. 


Sobre o mais recente trabalho do grupo, o que posso dizer é que, de cara, ele é um grito de guerra. ALLEHOP faz referência à expressão "Ale Hop" usada antigamente nos circos, nos segundos que precediam as apresentações. Antes de serem lançadas as facas, antes dos corpos de jogarem do trapézio no ar. É uma espécie de "estou pronto!" gritado muito de dentro pra fora. E é assim que vejo e sinto esse disco. Demorei a aceitá-lo, confesso. Deferente dos demais, a mudança dele é radical. Não são só as letras. Os sons, as imagens, a força. Sinto tudo muito diferente. E é. Musicalmente ele parece, a quase todo momento, uma baladinha dos anos 80, principalmente em "Deixa ser", primeira música do disco que virou clipe (um dos meus preferidos, só pra constar). Com a pegada completamente diferente dos demais discos, Allehop mistura sons e ousa nas letras como não se vira antes na trupe. O grito de guerra é constante a cada faixa que se inicia. As releituras de "Soprano" e "Refúgio", são tão fortes e emocionantes que nem sei dizer. Ah, e o disco é recheado com Marcelo Jeneci, Lucas Silveira, Dani Black e, figurinha repetida, Nô Stopa.

Pra mim, Allehop ajuda a viver um período tão importante dos tempos atuais, da história do nosso país, cheio de valores invertidos, de direitos roubados, de vidas que pra serem vividas precisam ficar escondidas... Me ajuda a pensar um pouco mais de fora pra dentro, abrindo o caminho inverso onde o outro pode chegar um pouco mais perto de mim. Nem todo mundo entende, aceita ou acredita. Não é fácil, é fato. Mas é preciso lutar por um mundo mais empático, humano e justo. Eu, acredito demais na arte pra isso.

Luta pra quem é de luta. Música pra quem é de música. Humanidade pra todo mundo.

todas as músicas citadas aqui são links clicáveis. desfrutem... 

sexta-feira, 26 de agosto de 2016

Um café e um amor... Coloridos, por favor!

foto da página no café no facebook
Saio bem pouco de casa e esse costume que, pra mim, é bom e ruim em proporções bem equilibradas - amém! - acaba me deixando quase sempre por fora das novidades e me fazendo conhecer os lugares mais pelas fotos do povo. E ô povo passeador esse do Cariri, viu? Aí tem também a minha frescura de findar me sentindo atrasada e deslocada por não ter uma foto legal de uma noite massa nesses canto tudo que tem surgido aos montes por aqui. Quando consigo ir "já num tem mais nem graça" e é quase como se eu tivesse passado uma fase de um jogo, com muita dificuldade, mesmo depois de meio mundo de spoilers. Sou péssima com games, confesso, mas me divirto como puder.

Quando vi alguém comentando sobre o Kava Café & Mais, esse "novo lugar todo diferente e interessante que abriu em Juazeiro", fui procurar mais informações, vi que o café tinha menos de uma semana de vida, muitas cores e tão logo pensei: 1. Que lugar lindo!; 2. É novo, quase ninguém conhece e não tem fotos lá, então quero ser uma das primeiras; 3. Ar Maria, que lugar lindo!!! Que o universo me conceda a graça da absolvição por querer fazer algo por um motivo tão maizomeninhos, mas que também me mantenha nessa pele finíssima pra sentir afeição.



Duas amigas e eu saímos pra uma noite que jurávamos que seria rápida, pra um café, uma conversa e algumas fotos. Mal podíamos imaginar que faríamos uma viagem. Entrar no Kava - que já começa com letra boa, é um nome fácil de lembrar e que, de cara, nos leva a outro países, principalmente alguns do leste europeu onde é assim que se dá nome ao café - é como entrar numa série ou num filme. Seguindo minhas experiências: f.r.i.e.n.d.s pelo café, é claro, mas também pelo sofá delicinha em patchwork, com uma poltrona diferente de cada lado e uma mesinha de centro (feita com um surdo e um tampo de vidro) que dão uma deliciosa sensação de sala de estar - e de querer ficar! E Across The Universe, inevitavelmente, pelas inúmeras referências - com quadros, pelúcias, almofadas e até um moço incrivelmente gentil com sotaque pernambucano e "óculos do john ou olhar do paul?" - aos meninos de Liverpool. E a decoração ma-ra-vi-lho-sa continua: caixotes de feira bem dispostos formando uma estante bem rústica, sofás de pallets, pequenos vasinhos coloridos com guardanapos e açúcar-do-amor, cadeiras em cores primárias. antigas máquinas de costura como base pras mesas, quadros com frases, desenhos de artistas, amor, cor... Cor! Muita cor! E, aqui, que me desculpem os monocromáticos, mas ser colorido é fundamental.




O Kava tem um cardápio incrível com várias opções de cafés, cervejas artesanais e comidinhas. Indecisa e medrosa que sou, li o cardápio várias vezes e, como quase sempre, fiquei tentada ao clássico cappuccino, mas fui forte e resolvi mudar. E que bom que mudei! Fui de Frapê de nutella-maltine e, olhe, foi como deitar numa nuvem geladinha rodeada de querubins. Dos céus! Anie foi de cappuccino clássico com a borda cheínha de nutella e mesmo que a gente peça uma colherzinha, aos poucos a gente aprende que a vida foi feita pra gente se lambuzar e lamber os dedos, né? E Sayonara que anda se estranhando muito com esse calor peculiar do Cariri, escolheu duas cervejas. Meu paladar que é péssimo pra cerveja se aventurou (foi só um golinho de cada, não juro!) e aprovou as duas: Eisenbach Weisenbach que eu não lembrava o nome (e muito menos sei pronunciar) mas ela me disse e eu resolvi colocar só pra bancar de sabidinha, e outra que nem ela lembra o nome, preta, com nove vírgula pouco de álcool e, parece brincadeira, foi a que mais gostei. Mas, sinceramente, mesmo quem bebe pouco, e só tem um interesse de leve de conhecer novos sabores, se sente instigado a experimentar só de ver e sentir a paixão e delicadeza com que Alysson (gente, lembrei de verdade o nome dele? calma...) fala de cada uma. A propósito, logo na entrada do café, tem um quadro com vários rótulos de cervejas, de vários países. Ah, e nós três provamos quiches de carne de sol e camarão e, sem ter medo de ser repetitiva, aprovadíssimos. E ainda tem mais: quem gosta de música, encontra mais um ponto positivo pra esse cantinho. Inclusive, como se não bastasse a sensação de estar numa série, rolou até dancinha quando começou a tocar "500 miles", a música que embalava as viagens de carro de Ted e Marshall em How I Met Your Mother


Não saí de casa naquela sexta-feira procurando algo novo pra escrever aqui ou esperando ter uma noite incrível. Bem diferente disso, eu buscava uma fuga, um segundo de paz, afinal, os dias vinham sendo os mais desleais possível. E cruzar aquela porta já me fez bem e perdi a conta de quantas vezes disse o quanto estava feliz por ter descoberto aquele lugar. Acredito que isso é o que dá significado às coisas: a energia boa que os lugares, as pessoas e os momentos nos transmitem. Dá pra sentir carinho em cada canto do café. As cores e cada coisa que parece ter sido escolhida e disposta a dedo pelo ambiente são carregadas de energia boa. Além do atendimento maravilhoso, do cuidado em ouvir a gente e nos fazer sentir em casa e não querer sair dali tão cedo. 

Tô com vontade de voltar lá desde o dia seguinte a essa ida. À tarde, pra ler um pouco. À noite, com os amigos. Arrisco dizer que encontrei mais um meu lugar preferido, bem ali no meio do louco (pra gente meio avuada que nem eu) polo gastronômico de Juazeiro. Achei esse meu lugar por cada detalhe único e cuidadoso, pelo atendimento extremamente atencioso. Pelas viagens e referências. O Kava é uma espécie de livro-vitrola-paleta-com-cheiro-bom. Vão lá, sério. Vocês vão sentir.






Kava Café & Mais
Avenida Plácido Aderaldo Castelo, 535, Galeria Open, Lagoa Seca, Juazeiro do Norte.
Telefone: (88) 3085-8119 / (88) 9 9252-0550
Instagram: @kava_cafe_e_mais
E-mail: kavacafeteria@gmail.com

quinta-feira, 4 de agosto de 2016

Pequena Abelha, de Chris Cleave



Autor: Chris Cleave
Editora Intrínseca
270 páginas

Não queremos lhe contar O QUE ACONTECE neste livro.
É realmente uma HISTÓRIA ESPECIAL,
e não queremos estragá-la.
AINDA ASSIM, você precisa saber algo para se interessar,
por isso vamos dizer apenas o seguinte:


Esta é a história de duas mulheres cujas vidas se chocam num dia fatídico. Então, uma delas precisa tomar uma decisão terrível, daquelas que, esperamos, você nunca tenha de enfrentar. Dois anos mais tarde, elas se reencontram. E tudo começa...



Essa sinopse transmite um suspense tão grande que se eu tiver de apontar um defeito nesse livro seria exatamente isso! Não que o livro não seja misterioso, excitante e essas coisas todas, mas o ápice da história é contado de forma gradual, tão aos pouquinhos que, quando chega, encontra o leitor de ombros relaxados porque, não que demore ou seja parado, até porque o livro é pequeno e, realmente, excitante. Mas o grande segredo da história é muito adiado, a ponto de se tornar previsível e o leitor suspeitar do que vai acontecer e, quando acontecer, acabar não tendo mais graça. (isso não aconteceu comigo, é muito fácil me surpreender)

Definitivamente, esse mistério todo fez efeito em mim e a história, tão forte e emocionante, mais ainda. Há tempos eu queria ler esse livro e quanto tive ele nas mãos não pensei duas vezes e me entreguei. Era como se eu estivesse comendo, com muita fome, minha comida preferida (se a lista não fosse enorme eu citaria alguma): queria devorar, mas queria, também, saborear. Não queria mesmo terminar e, mesmo assim, já recomendava o livro sem saber no que ele findava. A história me envolveu muito e não foram só duas ou três vezes que me peguei chorando com a leitura.

Nas pernas escuras da moça havia muitas cicatrizes brancas pequeninas.
E pensei: Será que essas cicatrizes estão no seu corpo inteiro, como as luas e estrelas no seu vestido?
Achei que isso também seria bonito e peço-lhe neste instante que faça o favor de concordar comigo que uma cicatriz nunca é feia. Isto é o que aqueles que produzem as cicatrizes querem que pensemos.
Mas você e eu temos de fazer um acordo e desafiá-los.
Temos de ver todas as cicatrizes como algo belo. Combinado?
Este vai ser nosso segredo. Porque, acredite em mim, uma cicatriz não se forma num morto.
Uma cicatriz significa: "Eu sobrevivi."
Pág. 17


A história é narrada pelas duas personagens citadas na sinopse: Pequena Abelha, uma menina nigeriana e Sarah, uma jornalista britânica. Outro personagem importantíssimo, apesar de pequeno, é Charlie - ou podem chamá-lo de Batman - filho de Sarah, que trás paz em muitas páginas com sua verdade de criança. A história segue uma dinâmica que me agradou muito: os capítulos são contados ora por Pequena Abelha, ora por Sarah. Esse jogo nos dá perspectivas diferentes da história e uma certa proximidade com as personagens que ficam cada vez mais reais. A narrativa é simples e a forma como é desenrolada pelas personagens fica bem característica, marcada pelas vidas diferentes que levavam, onde Sarah é um tanto firme e sensata no que relata e Pequena Abelha é ingênua e sempre tenta enxergar o que lhe cerca com bons olhos.

Chris tem uma escrita tranquila e simples, repito, mas por vezes confusa. Se é que este não foi, mesmo, o objetivo dele já que o livro tem essa "revelação gradual". Pequena Abelha tem uma narrativa que intercala presente e passado a todo momento e por vezes, esse jogo atrapalha o ritmo da história quando contorna o que se espera saber. Parece deixar de ser mistério pra, na verdade, parecer que não há nada demais. Mas há. A história não perde o brilho e nem sua força. É comovente e nos mostra o quanto é preciso coragem para tomar decisões e estar ao lado de quem amamos de verdade.

Chá tem o mesmo gosto da minha terra: é amargo e quente, forte e carregado de lembranças.
Tem gosto de saudade. Tem o gosto da distância entre onde você está e de onde você veio.
E também desaparece – o gosto desaparece na língua enquanto os lábios ainda estão quentes da xícara. [...] Ouvi dizer que em seu país se toma mais chá do que em qualquer outro.
Imagino como isso deve deixar vocês tristes – iguais a crianças que anseiam pelas mães ausentes.
Sinto muito.
Pág. 136


E, claro, minha paixão estética por livros foi despertada por esse! A ilustração, a capa, a fonte, as cores. Pequena Abelha é um  livro realmente lindo em tantos sentidos!



Post feito ao som no novo disco de Mahmundi 

sábado, 30 de julho de 2016

Sobre o que não sei respirar


É engraçado...
E a gente começa assim, ou termina, frases ditas onde a gente não prevê o futuro, nem onde vai chegar vírgula ou ponto final. Afinal, é cheia de tiros no escuro, essa vida. A gente vive de arriscar o tempo inteiro. Se não apostar, nunca vou ganhar. Se não comer, nunca vou saber se gosto. Se não amar, não vou sofrer e nem saber de tudo que isso me ensinaria. Se não tentar de novo, nunca vou saber se pode dar certo. E a vida segue assim. Quase nunca precisa fazer sentido. Uma sequencia de fotos e fatos, uma boa trilha sonora e garrafas de café pra sustentar as noites nos olhos pesados. A vida é pesada, é leve, é brincadeira, é passarinho. É muito amor. Vai do alívio pleno, no ombro, ao dedinho na quina, a dor.

A gente joga bola na rua e se apaixona. Senta do lado de um alguém meio bagunçado, no ônibus, e se apaixona. Vai sozinho numa sorveteria e se apaixona. Volta pra casa, acompanhado, porque está apaixonado. Bate a porta e não fica ninguém do lado de fora. A gente se apaixona demais e esse é o gás hélio da vida. É bonito.

É engraçado... E a gente diz isso, também, quando sabe o que dizer. É engraçado como a gente estuda, trabalha, abraça, almoça e dorme, planta uma árvore e ainda tem tempo pra amar. Amor consome, desgasta, aperta e vive. E amor acaba. Nunca tive medo dele por isso. Acabar é uma palavra forte e por isso prefiro adormecer. É uma questão de poesia, mas eu tenho os asas, tenho de raízes no chão.

Desculpe por falar tanto em nós, mas tenho medo de falar sozinha e me perder. É que todas as noites eu penso no quanto essa vida tão amor quis me endurecer. Eu não deixei, mas eu não quero enfraquecer, não, sabe? Uma frase tem ecoado na minha cabeça. Algo como um espelho me dizia que “as coisas têm acontecido tão rápido que não dá tempo eternizá-las”. Eu, acredito no “eterno enquanto durar”. E eu quero viver de momentos. Longos, curtos, de vida inteira. Eu procuro intensidade. Como vou me entender ou explicar pra alguém? Não pretendo. As pessoas me enchem de perguntas...

Eu não sei. Normalmente baixo a linha do horizonte, fito minhas mãos se cruzando e as bochechas virando flor e digo que não sei. Quase nunca precisa fazer sentido. Sempre gostei de ligações na madrugada e mensagens nas tardes de quinta. Gosto das pessoas que semeiam o bem, dos momentos que me fazem esquecer e de quando sorrio quando alguém vai embora com a deixa de voltar. Prometi pra mim que não ia esperar a volta. Descobri que não consigo. Ficar na superfície não é comigo. Mergulho. Encho os pulmões com todo o ar que puder e mergulho. Mas definitivamente não sei nadar.

Na madrugada ninguém ligou. A luz que ilumina o quarto inteiro acendeu por conta própria. Liguei. Caixa de mensagens. Por falta de coragem, fui até o fim:
- Me desculpa, você. E que me desculpem, também, os cadeados, as trancas, as portas e as janelas fechadas. Eu nasci pra passarinho. Sempre gostei de laços, mas, agora, vou cuidar dos que carrego no pulso e no cabelo. Primeiro eu.

Desliguei e levantei pra buscar mais um pouco de ar...

quarta-feira, 27 de julho de 2016

Look-brechó do dia: roupa velha é sempre o melhor pijama.

"A sociedade precisa começar a aceitar pijama como uma roupa normal pra sair de casa".

Quem nunca leu e, principalmente, compartilhou ao menos uma vez esse desejo íntimo e latente que a gente só tem coragem de expor no facebook onde (quase) tudo é tão fácil, fale agora ou nem comece a zuadar.
Na verdade, no meu caso, se Mainha não dissesse tanto que tem vergonha de me ver indo pros canto vestida assim, como se não tivesse um roupa que preste, eu usaria mais vezes. Na última vez que tentei sair de casa usando samba-canção, ela me fez voltar e trocar de roupa. Fiquei linda? Fiquei, claro. Mas de samba-canção eu tava linda e confortável.

Sou um grude nojento quando o assunto é roupa velha. Além de as roupas, indiscutivelmente, ficarem mais confortáveis com o tempo, eu acabo associando elas a alguns momentos e/ou pessoas e já era. Parece até que eu quero ser um livro, numa língua que só eu entendo, com uma história que só cabe a mim. Mas faço questão de ser. E, além do mais, roupa velha é matéria-prima pra melhor roupa que há: pijama. 

E aí tem as categorias: o pijama mesmo, que a gente compra bonitinho, o par ou o vestido, mas é quando dá aquela cagada no elástico ou aquele rasguinho na alça que a gente se apega com gosto, né não? Tem a camisa, grande, do namorado que fica sempre melhor na gente. Tem as camisas de candidatos a vereador ou das corridas do SESC. Tô agora na vibe da roupa velha e não tem quem me tire dela. Esse look, que eu já usei tanto, separado, pra sair, virou meu pijama mor. Principalmente nas noites em que as muriçoca tão com a gôta e num tem perna que aguente!!!



Um dia essa blusa, que comprei há uns 3 anos, teve uma gola "normal" e com elástico e as cores da estampa (que-eu-amo-e-não-é-pouco) já foram vivas. Já a calça que, se não me engano, comprei no meu primeiro ano da faculdade (doismilionze, caraaaca!), tava há muito tempo na gaveta das "eu sei que um dia vou usar" e não é que eu tava certa? Infelizmente pude constatar que ela tá muito mais folgada do que tava naquele ano, mas sejamos positivos e foquemos no conforto. As havaianas herdei da minha mãe que, depois de herdar da minha irmã, vacilou e deixou Apolo (nosso terremoto disfarçado de cachorro) dar umas mastigadinhas. Como ela ficou feínha, veio pra mim. Agora eu vou é pra todo canto com ela. Escondida também. Esse povo é cismado demais comigo, pense!

 

As fotos abaixo são exemplos claros de que esta que vos escreve nasceu cheia de jeito, charme, postura e desenvoltura pra falar de moda e fotografar looks. #sqn Não é que eu não consiga ficar um pouco mais parecida com gente. Eu consigo e nem preciso me esforçar muito. E até gosto. Mas eu faço é não fazer muita questão, mesmo. É que eu nasci assim, eu cresci assim...







E pra compor o look, os acessórios: As três fitinhas, de sempre, no braço: um fitilho, um escapulário e um colar de pedra branca. Um pomponzão pra amarrar o cabelo, antes de dormir (ou qualquer hora do dia que falta a paciência) tipo um abacaxi pra não amassar os cachos (aprendi com Rayza Nicácio e quero ser ela quando eu crescer).  O anel de formatura que eu perco e acho todo dia. E aquele cordão que não sai mais, que já prendeu mil vezes no cabelo, que eu cheguei no migo e disse "- que cordão lindo!" e ele: "- pega, agora é teu!" (migos, façam isso sempre). E um bom par de olheiras, porque se vamo falar de roupa de dormir e mendigar em casa, vamo falar direito.


Blusa: C&A | Calça: É no Ponto da Moda que a gente se vê  | Havaianas cor-de-nada: herdei de Mainha que herdou de Didinha.


sexta-feira, 22 de julho de 2016

Eu vim te trazer o sol ♫

A gente não quer nem pensar em sol mais do que já se pensa involuntariamente nesse calor escaldante do Cariri, ainda mais num pleno e típico dia de romaria em Juazeiro, onde descer a rua São Pedro até o fim, com paciência, poderia muito bem ser um teste de resistência física e mental, certo? Certo. Mas só até que se conheça o som da Projeto Rivera. Aí a gente vai querer ver "sol e lua dançando no céu e ser dia quando anoitecer". E vai querer muito!

Vira e mexe acontece de se descobrir uma música nova, pesquisar a banda, baixar o disco e esquecer de escutá-lo. Uma música num novo comercial de carro ou de shampoo. Uma música que um amigo que não se vê há tempos estava ouvindo no fone de ouvido e, no abraço do encontro, se ouve e pergunta sobre. Uma música na rádio Pe. Cícero que supera o movimento e a quintura de uma tarde na bendita rua São Pedro e que nos assalta os sentidos e a gente dá graças aos céus por ter pego aquele panfleto lá atrás pra usar, agora, pra anotar um trechinho pra pesquisar quando chegar em casa. Pesquisar, ouvir, curtir, baixar o disco. Mas nesse meio tempo o corpo esfria e a gente esquece. Pelo menos gente avuada como eu. Mas, das vantagens de ser assim, a surpresa é a maior. Muita coisa, quase sempre, soa e dança como nova, e aí a sensação é outra, o afetamento é novo e a emoção fica ainda maior. E isso me aconteceu com R I V E R A.

da esquerda pra direita: Matheus Brasil. Oziel Albuquerque, Victor Caliope, Flávio Nascimento, Bruno Silveira e Gabriel Fontenele / foto da fanpage da banda

Não lembro como conheci a banda, mas é bem provável que tenha sido em alguma das tantas aventuras pelas ruas da capital cearense. Só sei que quando vi o cartaz do Rock Cordel achei o nome familiar e fui correndo na minha pasta de músicas e lá estava, sabe-se lá desde quando, o "Eu vim te trazer o sol". Ouvi, me deliciei e fiquei logo eufórica. Já sabia que faria questão de ir ao show deles e já chamei uma amiga que, no dia, acabou não podendo. Quase desisto. Sei tanto do que pode ser bonito e tenho pensando muito sobre aprender e gostar de ficar sozinha, mas não gosto e nem acho que vai acontecer um dia. De qualquer forma, tenho tentado aproveitar as oportunidades que me aparecem de ser minha própria companhia. E essa foi uma e ainda bem que não desisti de ir. Encontrei pessoas que não via há tempos, abracei os abraços e saltei serelepe o que achei que deveria. Falei com pessoas (várias! e foi assustadoramente legal.) que nunca tinha visto na vida. Umas estranharam, outras entranharam. Fico com o segundo grupo. Ainda bem, mesmo, que não desisti de ir.

O show é de uma beleza singular. O som leva nosso corpo do rock ao maracatu e nos bagunça. As letras são quase o tempo inteiro bons desejos de leveza, simplicidade e verdade. Uma mistura que a gente precisa pra seguir acreditando na inspiração da música, da arte nessa vida que a gente acaba carregando como peso nos ombros, quando deveria ser uma caminhada camarada, lado-a-lado. As energias dos meninos se entrelaçam no palco e como numa grande rede embalam o público num aconchego e alegria enormes. Gritei e pulei aos montes (n)as músicas que eu já sabia de cor e, confesso, até chorei. É difícil controlar a emoção num show em que nenhum físico linguarudo conseguiria lidar com tanta energia que emanava e multiplicava e contagiava e... Mas boa parte do show, mesmo saltitante e inquieta, observei muito - sorrindo, sorrindo tanto até que as bochechas ficaram doendo -  os meninos no palco: os trejeitos de cada um, a conexão com os outros, a cumplicidade. Foi tudo muito bonito de ver e de sentir. Quero mais, quero de novo, quero muito. O mundo todo deveria ir a um show da Rivera pra, no mínimo, recarregar as energias pra continuar.

19.07 / depois do show no Centro Cultural Banco do Nordeste / foto: Gabriel Bessa @bessafotografia

Depois do show a galera ficou na frente do CCBNB pra trocar palavras, abraços e flash's com os meninos da banda e, pela primeira vez na vida, não me vi tietando. Mas explico: meus dois joelhos ficaram doendo muito com os pulos durante o show, então fiquei dando um tempo por ali de boa. Mas, claro, tiete que é tiete de coração, segura a dor dum joelho tremendo e pede abraço. Abraço sempre! E depois do abraço e do beijo na mão de brinde, acabei trazendo pra casa o CD deles e, porra!, tinha como ficar mais encantada, sim, por esse povo lindo. O arte do disco é um trabalho manual, cheio de detalhes e criatividade. Cada pedacinho que a gente desdobra, vê, lê, deixa a gente mais encantado e ainda mais admirado por um lance alicerçado no companheirismo, criatividade, arte e, claramente, muita paixão. Não sei se eu tô sentindo a coisa certa, o esperado. Não sei se é possível que haja algo certo e determinado a se sentir vivendo esse show e acompanhando esse trabalho. Mas senti e senti muito e quero sentir mais. Aí se a pessoa corre lá no youtube e vê os vídeos dos caras: pronto!; vê que cabe meio mundo de mundo dentro da gente e dessa gente criadora de coisa boa!

Fui fazer algumas fotos do disco pro post e acabei me empolgando um pouco. Foi difícil escolher só essas. Amei as cores, os traços, o céu, o três... 










Foi lindo! Tudo muito lindo e encantador!
As músicas, os detalhes e as cores recarregaram minhas energias. Os abraços me colocaram no eixo (o meu, torto) e me deixaram de pé. Uma dorzinha no joelho até dois dias depois, é fato, mas o que seria de nós sem essas dores diante dos motivos que nos trazem fé, afinal?! Recomendo, de coração, a banda e a espera pelos abraços depois do show.

Eu - dizem - que sei tanto sobre abraços, aprendi com Victor naquela noite, entre algumas tentativas de usar palavras inteiras pra agradecer, mais uma possibilidade de sentir: "Abraço bom é esse que acaba com um (suspirou forte e profundo)... A gente sente..."



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